terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Outono


Nota: Rompo momentaneamente a cronologia estabelecida aqui e abro um breve parênteses...

Escrevo desde os 9 anos de idade... A primeira coisa que eu escrevi na vida foi um conto sobre um cara que ia pra Júpiter, chegando lá encontrava outro cara que tinha ficado lá remanescente de uma outra expedição... O texto é péssimo, a redação também... rs... A minha primeira poesia tinha um  tema bem similar ao soneto que eu adorava, Alma minha gentil que te partiste, de Camões, mas sem nem uma gota de seu talento, esmero e beleza... A partir daí escrevi muita coisa em muito pouco tempo. Dessa época, poucas coisas salvam, seja pelo caráter pueril dos temas abordados, seja pela escrita ainda bem rudimentar... Mas até que eu pude evoluir rapidamente, tinha tempo de sobra já que era a única criança em uma casa de adultos com nenhum amigo próximo nessa fase da vida... Lia muito também nesta época...

Em uma conversa recente, por email, com minha carinhosa amiga Ju Vox, ela me perguntou se aqui no blog tinham poesias anteriores aos meus 13 anos... respondi que sim, pois minhas primeiras publicações aqui são desta época, os dois primeiros se não me engano... A questão é que esta conversa me fez revirar um outro registro velho, velhíssimo este, de folhas datilografadas (isso mesmo, na máquina de escrever!) com textos de minha infância... escrevia rascunhos e depois datilografava... No final do ano de 1989, comecei a escrever um conto de umas 30 páginas, que deu origem a mais 2, formando uma trilogia... todas as histórias são bestas e previsíveis, mas pra mim na época era o máximo escrever algo tão longo quanto 30 páginas... rs... lembro que levei esses contos e algumas poesias, tempos depois, a uma professora minha, da 5ª série se não me engano... ela adorou, foi super bacana comigo e citou um trecho da poesia que colocarei aqui logo abaixo... Foi escrita no ano em que terminei o primeiro conto da tal trilogia, ou seja, eu tinha mais ou menos 10 anos nessa época... pessoalmente não acho que ela seja tão boa, e minha professora (de português) deve ter levado em conta minha idade e maturidade para tecer seus comentários tão carinhosos... se comparada a uma poesia minha mais recente, será nítida a evolução da escrita e da pessoa que escrevia, mas para um menino, uma criança de pouco mais de 10 anos de idade, acredito que seja até bem bacana...

Sendo assim, abro essa exceção para publicar "Outono", provavelmente a única que tenho coragem de publicar dessas mais antigas, mas que é importante à sua maneira, e traz uma metáfora que é bem singela...



Outono

Chego e abro a porta
quem vê acha normal
mais um entre tantos
só mais um

Acho a casa suja
e em desordem
todos que passaram
deixaram suas marcas
janelas quebradas
gotas de sangue
as folhas secas
se quebram quando passo
tento entender o porquê
e esbarro em mais sujeira
em cacos do passado

Pego um pano
e passo sobre as coisas
junto com a poeira
vem a incerteza
alguns papéis mofados na lixeira
alguns amores esquecidos

O chão escorregadio
tem um brilho ofuscante
passo a cera
com quem acaricia
uma pétala de rosa
limpo cada fresta
e vejo cada momento
cada ilusão
lapido calmamente os sonhos
tão toscos
e sinceros

Restauro as janelas
colando os pedaços
e limpando as madeiras
uno cada peça do quebra-cabeça
e me sinto bem

Com a sensação
de ter quebrado um vaso
sem poder colocar outro no lugar
vou embora
e deixo a casa arrumada

Antenas em Sintonia


Antenas em Sintonia



Madrugadas solitárias
equilíbrio aparente
antenas em sintonia
rádios desligados
pilhas pelo chão
rebeldes sem causa
jornais sendo lidos
com falta de atenção


Somos bons moços
nos fingindo de malvados
lutamos pelo certo
sem saber bem porque
achamos certo
e continuamos fazendo
mesmo quando não queremos mais fazer
somos golfinhos adestrados
que não querem se adestrar
não saltamos pra platéia
não estamos sempre no mesmo lugar
somos jovens indecisos
indefesos
queremos caminhos menos perigosos
queremos flores com menos espinhos
nos dão medidas erradas
não nos mostram quando parar
e aprendemos sem entender
que o vento que leva o antigo
também faz o novo se cansar


Estruturas contestadas
lemas juvenis
tempo que passa e cria
honestidade mal remunerada
ignorância ignorada
desespero em forma de euforia
livros falando de revolução
trancados na gaveta do armário
esperando a chegada
de uma nova geração

Nota: Interessante como se trata de uma descrição antiga de um panorama social ainda, e cada vez mais, presente em nosso cotidiano...

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Sozinho na Escuridão


Sozinho na Escuridão


Nada é tão difícil quanto parece
nem tão fácil quanto se espera
tento passar lições de vida
que eu não aprendi
há palavras que não sei dizer
e ainda assim digo
caminho sozinho
e me canso à toa
e me esforço à toa
não quero explicações
nem quero me explicar
queria ser importante pra alguém
com quem também pudesse me importar
não quero achar razões sensatas
que nem sensatas são
aprendi a conviver com a dor
e não dói tanto

Sinto falta de alguém que sinta falta de mim
escrevo coisas que ninguém lê
canto pra ninguém ouvir
meus sentimentos são mais fáceis de escrever
que de sentir
não sei pra onde vou
continuo indo

Queria ter um coração a mais
queria poder amar mais
queria ser mais feliz
eu já sofro por costume
ainda não me acostumei
tenho a estranha teimosia
de esperar demais
é cansativo se perguntar porque ninguém entende
e mais cansativo ainda se esforçar pra entender
há pessoas que não dizem nada
e encantam mesmo sem dizer

Lembranças Turvas


Lembranças Turvas


Já não tenho o olhar nublado
nem lembranças turvas
as marés passaram
e a grama esqueceu de crescer
e o inverno esqueceu de acabar
mesmo de longe
ainda conto com você

Admiro tua esperança
tua vontade de lutar
o simples fato de mesmo estando perdida
ainda poder me achar
me confortar
teu abraço ainda me aquece
meu coração ainda dói
mas não estou triste
nem adiantaria estar
vou continuar andando
e tentar não me esconder
pra não me machucar
quero ter certeza
quero aprender a viver
não tenho que responder
não tenho que perguntar
ando descalço
corro da chuva
cansei de ouvir o eco
de minhas próprias palavras
não preciso de mais contestações
nem agradar ninguém
gosto de ser repetitivo
mudo com os ventos
e os ventos me fazem sonhar
as flores me fazem lembrar
mesmo de longe
ainda conto com você

Sempre que eu disser talvez


Sempre que eu disser talvez


Portas entreabertas
janelas fechadas
baladas suaves lembram climas brandos
de um passado que esqueceu de passar
me despeço uma vez por dia
renasço a cada amanhecer
procuro sensatez
encontro insegurança

É sempre um pecado ser sincero
é sempre uma tragédia pedir perdão
te vejo de longe
te quero por perto
não sei o melhor caminho a seguir
sigo em frente
tua lembrança é boa
recordo com certa nostalgia
amor
carinho
alegria
momentos antigos que amenizam
um rosto no espelho
que eu não reconheço mais
um amontoado de incertezas
e alguém que não se cansa de voltar atrás
repito erros
recomeço histórias
realço meu destino
de querer
de esperar
de merecer

Sinto esperança em tua voz
e sei que é verdade
mas preferiria não saber
quero um sono tranqüilo
poder lembrar sem sofrer
quero te ver feliz
quero harmonia
honestidade
quero um pouco de inocência
quero paz
e sempre que eu disser talvez
diga nunca mais

Nota:Essa sequência de poesias sobre tristeza, abandono, amor, carinho, me remetem quase que automaticamente às paixões juvenis que machucavam, mas que também eram capazes de momentos de inspiração e harmonia muito raros... lembro de uma jornada curiosa em que mentalmente eu ouvia “Clube da Esquina II”, na versão do Flávio Venturini... Alegria, esperança, ingenuidade, assim como desapontamento, desilusão, rejeição, eram sentimentos presentes nestas jornadas em que a entrega era quase que proporcional ao descaso e pequenez humanas... aprendizados valiosos, ainda que dolorosos... O tema é batido, eu sei, e se torna repetitivo muitas vezes... mas ao menos era sincero, isso posso garantir... e no mais, quantos já não beberam desta fonte, não é mesmo?

Um Alvorecer


Um Alvorecer


Versos antigos
perdem o sentido
frases sem contexto
perdem a razão
o começo de uma coisa, geralmente
acarreta o fim de outra
faz parte do ciclo
um incessante ciclo
que gira
que nos deixa tontos
hoje me lembro perfeitamente
de tudo que deixei de fazer
das palavras que cansei de dizer
das perdas que insisti em tentar esquecer
pequei por ser honesto
não sei medir sentimentos
não consigo controlar vendavais
trago areia nos olhos
lágrimas no coração
cálculos científicos não explicam excesso de amor
falta de controle
as normas não nos fazem normais
teorias mal formuladas
não levam ninguém a nada
e já não me enganam mais
leio livros sem capa
jogo alguma coisa fora
minha paz é meu refúgio
teu olhar é meu alívio
e a lembrança que antes doía
hoje consola
teu sorriso me anima
tua felicidade me faz feliz
e mesmo que não te veja mais
ainda te sentirei
em cada suspiro meu
em cada olhar displicente
em cada lágrima que deixar de cair

Falta de Horizonte


Falta de Horizonte


Meu espelho tem feito perguntas
que eu não sei responder
me acostumei a ter medo de sofrer
escrevo no escuro
provavelmente para não ter que ler
tirei conclusões precipitadas
deixei de ser sincero
se é que algum dia eu fui
tenho medo de falar
tenho medo de admitir meus erros
tenho medo de errar
devia ser um poeta mudo
ando falando demais
palavras são volúveis
maleáveis
por mais que se fale
nunca se terá dito
exatamente o que se queria dizer
o mundo é estranho
estranho como a água que cai
o receio que vem
o desprezo que dói
no fundo eu sei
que só vai valer a pena
aquilo que eu quiser que valha
mesmo assim
meus esforços têm sido em vão
existir é difícil
resistir é difícil
viver é caminhar sobre pedras
e me machuco quando piso nelas
e tropeço quando esqueço delas

Me sinto sozinho nas noites de frio
sinto falta de alguém
minhas mágoas me deprimem
sou um simples ingênuo
que confia
em quem não merece confiança
sofri demais
perdi demais
minhas indagações não têm nexo
mas não pretendo ser coerente
pretendo ser feliz
feliz a ponto de chorar sem culpa
de não ter dificuldade em sorrir
de me levantar
antes mesmo de cair

Ventos de Verão


Ventos de Verão

Palavras
definições
de que adiantam
se nunca explicam nada
escrevo versos sem rima
estrofes longas demais
não gosto de regras
não preciso delas
ando em passos lentos
perco o fôlego
não vou até o fundo
não preciso ir

Estou cansado de falar com as paredes
de temer comentários
a beleza está
onde eu quiser que ela esteja
só vejo o que quiser ver
cansei de jogar
cansei de perder
ainda que não haja justiça
ainda que não haja porquê
eu saberei o que fazer
ainda que não faça

Sou sincero demais
sensível demais
meu coração é denso como aço
volúvel como água
acidental como o trovão
penso coisas bobas
sorrio à toa
espero mais
do que as pessoas têm a oferecer
ofereço mais
do que as pessoas podem aceitar
a vida não é tão complicada quanto parece
viver é questão de tempo
tempo que nos torna mais velhos
discos arranhados
repetindo sempre as mesmas coisas
confundindo razão com indiferença
esperança com ilusão

Nota:Como é fácil perceber, é desta poesia que vem o nome do blog, do livro ou seja lá o que for que você estiver lendo... Eu mesmo nem sabia de que poesia, de que época ou assunto o termo vinha... mas por alguma razão qualquer, jamais esqueci este conjunto de três versos que são, de longe, meus preferidos...

Momentos


Momentos


Um dia nublado
um olhar infeliz
flores que murcham
lágrimas que caem
talvez sejam meus olhos
vejo amargura por todos os lados
os pássaros cantam baixo demais
o silêncio ainda é mais alto
triste
doloroso
solidão não é estar sozinho
é ser sozinho
meus passos são lentos
momentos alegres
agora rimam com escassez
meu sorriso tem sido raro
hoje almoço com a melancolia
janto com a tristeza
invento palavras sem sentido
mantenho as portas fechadas
recito poesias em frente à geladeira
falo besteiras
faço chover
deixo um copo cair



Nota:Quando falo aqui no som dos pássaros, é porque morava em uma área bem rural, onde efetivamente os pássaros faziam bastante barulho... tanto essa observação quanto outras eram (são, ainda) fruto da minha constante observação de tudo... pessoas, animais, plantas, insetos, qualquer coisa é capaz de obter minha atenção por longos instantes, e produzir conclusões ou indagações que me são muito peculiares... quanto à “fazer chover”, lembro que eu “fazia” ventar... rs... era um ritual meio besta, mas que sempre gerava resultados nas minhas diárias e quilométricas caminhadas entre minha casa e a civilização propriamente dita... 

Saudade


Saudade


Sempre vejo mais que os outros
vejo um homem honesto
um pai de família
suicidas em potencial
vejo pessoas definhando
poetas perdidos em seus próprios versos
seres humanos cheios de dúvidas
vejo a tolice
de que se acha acima de tudo
e a ingenuidade
de quem pensa ser menos que o nada
vejo um sorriso espontâneo
frases mal feitas
lágrimas inúteis
vejo pólvora em vez e açúcar
dinamite em vez de carvão
jornais amarelos nos mostram o passado
algo que a gente sempre esquece de esquecer
fotos antigas
roupas fora de moda
sentimentos letais
sinto meu rosto molhado
sinto gosto de sal
minha memória me trai
é tudo o que eu pude guardar
minha alma feita de vento
minha mente feita de folhas
meu coração de papel



Nota:É uma”viagem ao centro de mim” digitar essas poesias... nesta especificamente, percebo como a psicologia estava ali, escondida em meio a tantas indagações... o texto, o tema, são tão meus que poderiam ter sido escritos a dois minutos atrás... não há quase duas décadas... 

Dias de Tempestade


Dias de Tempestade


Os anos se passam
a vida passa
e eu continuo aqui
sempre aqui
sempre o mesmo
sempre

Vivo
vegeto
pereço
tanto faz
as palavras não têm mais sentido
nada tem sentido
as coisas acontecem
o amor existe
e daí?
chego a pensar
que a primavera não é para todos
afinal,
eu ainda estou com frio

Me atirei pela janela
incontáveis vezes
só agora percebi
que eu moro no primeiro andar
minhas indignações são tolas, sim
mas não pretendo deixá-las para trás
aprendi a ser um só
certo ou não
a noite está terminando
e o Sol não vai nascer
não espero mais
que alguém acenda a luz
me acostumei com o escuro
não abro mais os olhos
não há nada para ver
nunca houve

Diamantes


Diamantes


A imensidão de um olhar me fez sorrir
não sei porque
um misto de harmonia
exatidão
carinho
é tão fácil,
olhar para o nada
ver alguma coisa
dizer qualquer besteira
sem pensar
quem se preocupa demais com o que fala
acaba não dizendo nada
explicações são momentâneas
opiniões são passageiras
mudam os caminhos
nunca a direção

Noites tranquilas
calma mútua
felicidade incondicional
textos escritos a lápis
beijos suaves
brigas sinceras
brisas de verão

O céu não é azul em dias de chuva
talvez nem seja azul
talvez nem exista alguém assim
tola, incoerente
incoerente como a esperança
como a vida
como a esperança de viver
o ar muda de cor
a água muda de gosto
quase ninguém vê
as palavras até tentam mostrar
justificar
não é visível
nem é pra ser

Gotas de Orvalho


Gotas de Orvalho


Noites escuras
manhãs de Sol
sorrisos sinceros
tudo tão simples
tudo tão normal
que pena ser diferente agora
as coisas simples
continuam simples
mas não são mais
tão normais assim
as pessoas não são as mesmas
o vento não sopra mais na mesma direção

A poeira em meus olhos não me deixa ver
se restou algo
se é que restou algo
as portas estão se fechando
as janelas também
os fatos já não são importantes
quase nada é
fica difícil lutar
principalmente,
quando se luta sozinho

Deixei de escrever
deixei de falar
não há quem ouça
ninguém se preocupa mais
nem eu
o que me importa não é o motivo
mas a atitude
o mundo é feito de acasos
de idéias
não importa como se escreve
mas como se lê

Nota: Me impressiona como quase consigo lembrar do momento em que escrevi cada uma dessas poesias... são autobiográficas, muitas delas, e é claro que me recordo dos sentimentos que estavam por trás das palavras... mas virtualmente me vejo lá, sentado num colchão com meu caderno velho, escrevendo sobre o que angustiava meu coração ainda tão ingênuo... por vezes, escrevia no colégio, isso já durante meu 2º grau... me refugiava na biblioteca e rabiscava meus versos em pedaços de papel mal cortados, esperando para passá-los a limpo depois... outra coisa interessante, e até meio clichê, é como os temas tratados, como a indiferença e a desolação num mundo cada vez mais “surdo”, permanecem tão atuais...

A Face dos Anjos


A Face dos Anjos



Poesias sem nome
roupas rasgadas
versos esquecidos
quase tudo combina
quase tudo se parece
a beleza e a exatidão
a agonia e o desespero
eu e as nuvens
ambos sem forma
sem nitidez


Não tenho muitas pretensões
nem muitos sonhos
estou preso nos contos de fadas
em que as crianças
já não acreditam mais
estou dentro de cada caixa de fósforos
nas placas de sinalização
nos postes
estou naquele cachorro
revirando o lixo
naquele gato em cima do muro
naquele vidro rachado
estou na garrafa vazia
na vela derretida
no vento que fecha a janela
no filme perdido
no papel em branco
as fórmulas se repetem
as flores se modificam
a vida continua


Minhas aspirações
são inconstantes como o vento
sou como a água
a chuva
estou perdido na minha própria imensidão
na angústia de meus pensamentos
na incerteza da minha vida
nos erros do meu coração

Nota: Percebo, digitando estes versos finais, que sempre fui existencialista, fato que só fui descobrir décadas após este poema... como a vida seria mais simples se nós fôssemos mais simples!